Velho Marujo, Renovadas Utopias

Barquinho na tempestade net

Imagem Extraída de: http://fichariolilas.blogspot.com.br

Por Marcio Uno

A tarde de outono, temperatura amena: O cenário ideal do marinheiro. Coincidência? Por um instante o anúncio das trevas daria passagem para o início do novo e vivo caminho. Embora o ambiente ser tão familiar, uma mistura de sentimentos, dentre medos e euforias, tomou conta do velho corpo que descia do mastro. Das nuvens espessas e negras seriam avistadas radiações gloriosas de aconchego.

Na proa não se esquivou de enfrentar as ondas e o gingado mortal. Estendeu os braços e os acolheu como amigos íntimos. Entregou-se e mergulhou profundo. Ah, o equilíbrio…o autodomínio era a tônica da maturidade alcançada. Recordações pueris vieram-lhe a tona: jogar bola ou brincar de pega-pega com os colegas em uma chuva torrencial de verão. Regressão ou digressão!?!?

É chegada a hora. Com os ponteiros do relógio travados, sentou no convés e pegou um caderno empoeirado. Abriu, começou a ler e traçar rabiscos no mapa. Anos anteriores, a timidez o impedia de pegar o leme e ser protagonista do próprio cruzeiro. O escorbuto que lhe consumia. Seu intuito era formar uma náutica de seguidores, mas a navegação não comporta amadores.

Nunca foi simpático dentro do navio. Não conquistou a tripulação com sabores marítimos nem almejou confetes. Combativo, seu prato principal foi a luta pela justiça. Mas entre um mar de amargura e algumas ressacas, aprendeu que somente na nau têm-se contato com a diversidade – terra, água, fogo e ar. A tolerância é a bússola contra a arrogância.

Talvez, sua maior trajetória foi ter de lidar com o egocentrismo. Prisioneiro do próprio porão em um leve estado depressivo. Foi pirata que lhe roubou por várias vezes o coração. Aprendeu a fazer vários nós e persistiu em desatá-los até encontrar oceanos vindouros. A comunhão, o orgasmo, os amores e dissabores devem ser múltiplos. Tesouros!!!

Se arrependimento matasse, há tempos teria se naufragado. Faltou-lhe soltar a voz, ganhar espaço no vento e se reconhecer no timbre da vida. Recordou que escrever era um dos caminhos possíveis para gritar e aliviar a ferida. Com o movimento brusco deixou cair o lápis da mão. Sobrou preservar o grafite esculpido nas folhas que se desmanchavam. Protegeu o calhamaço no surrado uniforme aventureiro. Palavras ali contidas precisariam ser encontradas por algum novo coração negreiro.

Levantou-se. Viu o tempo se escorrer por entre os dedos. Tomado pelo espírito de Nereu em tom profético e poético, em um lapso de lucidez, brigou com a frase tatuada no braço e com o autor da sentença. Já não sabia distinguir se a precisão estava em navegar ou viver. Confusão mental jamais!!! Quer ver???

E, num gesto de bravura, saiu do convés, trancando-se no passadiço. Guardou o pergaminho a sete chaves e não arredou o pé. Comandante não abandona os passageiros na dor. Enfrentou a tempestade com honra e doçura. Sentia prazer no balanço das águas que encharcavam a alma. Remando contra a maré, restou-lhe as renovadas utopias batizadas com esperança.

Atraca-se a embarcação no cais. Da popa, a morena: Marujo, abra os olhos que é chegada a bonança!!!

Quem sabe era de primeira viagem…

2 comentários sobre “Velho Marujo, Renovadas Utopias

Deixe um comentário